sábado, 16 de outubro de 2010

Eleição vira guerra de sutilezas, travada no Sudeste



Vik Muniz

Nelson Rodrigues ensinou que “a dúvida é autora de insônias cruéis. Ao passo que, inversamente, uma boa e sólida certeza vale como um barbitúrico irresistível”.

Tomados pelo último Datafolha, Dilma Rousseff e José Serra foram como que condenados a uma vigília de duas semanas.

Até o próximo dia 31, os dois candidatos não poderão piscar. O último refúgio da disputa sucessória é a incerteza.

Na conta global, Dilma dispõe agora de seis pontos de vantagem sobre Serra. Ela, com 47%, ainda prevalece. Mas ele, com 41%, sobrevive no jogo.

A pesquisa informa: a grossa maioria do eleitorado declara-se decidido. Entre os eleitores de Dilma, o grau de convicção é de 91%. Entre os de Serra, 89%.

A petrificação do voto converteu a eleição numa guerra de detalhes e sutilezas. Vai prevalecer quem fizer a sintonia mais fina.

A batalha final tende a ser travada no Sudeste, região onde está assentada quase metade do eleitorado do país: 43,4%.

Nesse pedaço estratégico do mapa, Dilma e Serra estão tecnicamente empatados. Ele com 44%. Ela, 43%.  

Os dois comitês de campanha já farejaram a relevância do front. Ambos decidiram concentrar a infantaria em São Paulo, Minas e Rio.

No país, os eleitores indecisos somam 8%. No Sudeste, o percentual de votos pendentes de definição é idêntico: 8%.

É nesses eleitores, somados aos que ainda admitem mudar de opção, que as campanhas terão de mirar.

Praticamente todas as teorizações políticas já foram feitas sobre 2010. Serra já foi favorito. Dilma já experimentou sua fase de imbatível.

Empurrada para um segundo turno que parecia improvável, a disputa entrou numa fase em que a delicadeza do método vale mais do que a força das ações.

Trata-se de adotar atitudes tendentes mais à ponderação que ao radicalismo. Tisnada pelo realismo, a cena não comporta otimismos.

Tudo isso contra um relógio cujos ponteiros mais parecem lanças. O bom conselheiro diria aos candidatos: Na dúvida, não duvide. Tem que fazer? Faz logo. E direito.

Nesse ambiente, o debate religioso que monopolizou as atenções nos últimos dias tende a descer ao verbete da enciclopédia como um derperdício de tempo.

Segundo o Datafolha, enquanto Dilma e Serra falavam de Deus e de aborto, o eleitor que mais se moveu foi justamente o que declara não ter religião.

Nesse universo (5,8% do eleitorado), Dilma caiu seis pontos em uma semana: de 51% foi a 45%. E Serra subiu cinco pontos: tinha 35%, foi a 40%.

Entre os que dizem religiosos, as oscilações captadas pelo Datafolha ocorreram dentro da margem de erro (dois pontos) ou muito próximas dela.

No nicho dos evangélicos não pentecostais (irrisórios 6,3% do total de eleitores do país), Dilma caiu quatro pontos: 40% para 36%. Serra subiu dois: 48% para 50%.

Entre os frequentadores evangélicos pentecostais (coisa de 6% do eleitorado), Dilma e Serra caíram um mísero ponto cada um.

A maioria católica (62% dos brasileiros) dá de ombros para o lero-lero que aproxima o debate da sacristia.

Nesse grupo, Dilma manteve seus 51%. E Serra, que tinha 39%, oscilou um escasso ponto para baixo. Tem agora 38%.

São evidências de que os candidatos ganhariam mais se não permitissem que padres e pastores dominassem a agenda.

Trocando aborto e união civil de gays por educação e meio ambiente, passariam a dialogar com os eleitores que optaram por Marina Silva no primeito round.

Somam 19,3% do eleitorado. Coisa de 20 milhões de votos. O Datafolha informa que 51% pendem para Serra e 23% dizem preferir Dilma.

Mas há ainda 11% de ex-eleitores de Marina que dizem votar em branco e, mais importante, 15% se declaram indecisos.

É gente que observa a evolução dos detalhes. Por exeemplo: 25% dos que optaram por Marina dizem valorizar o apoio da derrotada a um dos dois sobreviventes.

A dúvida, “autora de insônias cruéis”, não comporta equívocos. Não se chega à certeza, “barbitúrico irresistível”, pelo atalho fácil do oportunismo beato.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Em crise, campanha de Dilma vive seu pior momento


Em crise, campanha de Dilma vive seu pior momento

  Danilo Verpa/FolhaA duas semanas da eleição, o QG de Dilma Rousseff atravessa seu pior momento.

A sintonia que permeava as relações de Lula com o comando da campanha trincou.

As críticas ao estilo centralizador dos operadores do QG espraiaram-se pela coligação.

A submissão da candidata à agenda religiosa deixou indignado um pedaço do PT.

Fraturas expostas debilitam a campanha em praças tão estratégicas como Minas.

Tudo isso contra um pano de fundo ornado por pesquisas internas inquietantes.

Detectou-se avanço do rival José Serra nos maiores bolsões de votos do Sudeste.

As sondagens indicam que Serra avança em São Paulo, em Minas e no Rio.

Nos dois primeiros Estados, atribui-se o fenômeno ao embalo do primeiro turno.

Serra seria beneficiário do êxito de Geraldo Alckmin e do grupo de Aécio Neves.

No Rio, o tucano estaria herdando nacos expressivos do eleitorado de Marina Silva.

Teme-se, de resto, que a abstenção sugue parte dos votos de Dilma no Nordeste.

Em privado, Lula critica o marqueteiro João Santana, que antes endeusava.

Diz que a propaganda televisiva padece de ausência de “povo” e falta de “emoção”.

Nos subterrâneos, atribui-se o formato atual da publicidade –prenhe de comparações entre a era tucana e a fase petista— mais a Lula que a Santana.

Viria do presidente a inspiração para o reforço do tom “plebiscitário”, com especial ênfase às privatizações feitas sob FHC.

Teria partido de Lula a ordem para levar o vice-presidente José Alencar ao vídeo. Uma forma de atenuar a desestruturação da campanha de Dilma em Minas.

Ali, o PT se rói em desavenças entre as alas de Fernando Pimentel e Patrus Ananias. E o PMDB de Hélio Costa, esmagado por Aécio, já não quebra lanças por Dilma.

Na prátrica, a campanha de Dilma demora-se em sacudir a poeira do primeiro turno. Lula não frequenta a cena apenas no papel de crítico. É criticado.

Atacam-no pelas costas. Atribui-se ao cabo eleitoral de Dilma parte da culpa pelos problemas que levaram a eleição ao segundo turno.

Afora o ‘Erenicegate’ e a sublevação das igrejas, a escalada retórica de Lula contra a mídia teria feito o eleitor de classe média a olhar de esguelha para Dilma.

Numa tentativa de reverter o quadro, planeja-se tonificar a campanha no Sudeste.

Nesta sexta (16), Dilma realiza comício em São Miguel Paulista, bairro de São Paulo. No sábado (17), deve desfilar em carreata pelas ruas de Belo Horizonte.

Pelo PT, José Eduardo Dutra e Alexandre Padilha rearticulam os prefeitos mineiros. Pelo PMDB, o vice de Dilma, Michel Temer, tenta reenergizar o seu partido.

Dutra e Padilha passaram por Belo Horizonte nesta quinta (14). Temer desembarca na cidade nesta sexta (15).

Lula avocou para si a tarefa dee soldar a votação de Dilma no Nordeste, um pedaço do mapa em que sua popularidade é maior do que a média nacional.

Contra a abstenção, planeja-se injetar na propaganda de rádio e TV mensagens dirigidas ao eleitor de baixa renda e de escolaridade exígua.

Para desassossego do petismo, também o comando da campanha de Serra deliberou centrar esforços no Sudeste, em especial São Paulo, Minas e Rio.

Nesta quinta, Aécio Neves produziu a primeira evidência de que decidiu derramar suor por Serra. Reuniu em torno do candidato, em Belo Horizonte, 300 prefeitos.

Na quarta-feira (20) da semana que vem, o tucanato fará evento semelhante no Rio.

Noutra praça convertida em prioridade tucana, o Rio Grande do Sul, o PMDB de Temer aderiu, em sua maioria, a Serra.

Pela primeira vez desde o início oficial da campanha, há quatro meses, Lula e os operadores de Dilma parecem realmente preocupados com o adversário.